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Imaginemos que você é dono de uma distribuidora de eletrodomésticos situada em Belo Horizonte e que seus produtos (geladeiras, fogões, micro-ondas...) sejam importados. Esses equipamentos entram no Brasil pelo Porto de Santos, que é o porto mais próximo de BH. Para proceder ao despacho aduaneiro desses bens, você terá duas opções: i) fazer o despacho aduaneiro no próprio Porto de Santos ou; ii) fazer o despacho aduaneiro em um porto seco [1] (que pode ser em BH).

Por razões logísticas, pode ser mais interessante que você realize o despacho aduaneiro em um porto seco localizado mais próximo. Trazer as mercadorias para perto permitirá maior agilidade no desembaraço aduaneiro, além disso, os custos de armazenagem de mercadorias em portos e aeroportos (enquanto se espera o desembaraço aduaneiro) são mais elevados do que os custos de armazenagem em um porto seco.

Para isso, é necessário, então, submetê-los ao regime aduaneiro especial de trânsito aduaneiro. Assim, os bens serão transportados do Porto de Santos até o porto seco em Belo Horizonte, com suspensão dos tributos incidentes sobre a operação de trânsito. Os tributos somente serão recolhidos por ocasião do despacho para consumo, que será realizado no porto seco em BH.

O regime aduaneiro especial de trânsito aduaneiro permite o transporte de mercadoria, sob controle aduaneiro, de um ponto a outro do território nacional, com suspensão do pagamento de tributos. Para entender o regime de trânsito aduaneiro, é importante ter conhecimento de alguns conceitos específicos: i) local de origem; ii) local de destino; iii) unidade de origem e; iv) unidade de destino.

Voltando ao exemplo anterior, os eletrodomésticos chegaram ao Porto de Santos e lá foram descarregados. Eles serão, então, transportados até o porto seco de BH. Nessa situação, o local de origem do trânsito, isto é, o ponto inicial do itinerário, será o Porto de Santos. O local de destino (ponto final do itinerário) será o porto seco de BH. A unidade de origem será a Unidade da Receita Federal (URF) que possui jurisdição sobre o local de origem do trânsito. A unidade de destino será a URF que jurisdiciona o local de destino do trânsito.

O regime de trânsito aduaneiro subsiste do local de origem ao local de destino e desde o momento do desembaraço para trânsito aduaneiro pela unidade de origem até o momento em que a unidade de destino conclui o trânsito aduaneiro. Em outras palavras, quando a mercadoria é desembaraçada para trânsito pela unidade de origem, tem início o trânsito aduaneiro; a unidade de destino, por sua vez, será responsável pela conclusão do trânsito aduaneiro. Vale ressaltar que a regra da legislação aduaneira é a cobrança dos tributos incidentes no ato de importação, a circulação em território nacional é livre. Logo, pelo conceito do regime especial de trânsito aduaneiro, os impostos incidentes sobre a operação serão recolhidos no território aduaneiro de destino.

Existem sete modalidades para o regime de trânsito aduaneiro, quais sejam:

  1. Modalidade trânsito de importação: O transporte de mercadoria procedente do exterior, do ponto de descarga no território aduaneiro até o ponto onde deva ocorrer outro despacho. A mercadoria estrangeira é descarregada no Porto de Santos, sendo transportada de lá até um porto seco em BH (onde ocorrerá o despacho);
  2. Modalidade trânsito de exportação: O transporte de mercadoria nacional ou nacionalizada, verificada ou despachada para exportação, do local de origem ao local de destino, para embarque ou para armazenamento em área alfandegada para posterior embarque. A mercadoria nacional ou nacionalizada é transportada a partir de um porto seco em BH (onde sofreu despacho para exportação) até o Porto de Santos (onde embarcará para o exterior). O trânsito de exportação poderá também ter início no próprio estabelecimento da empresa exportadora, o que seria, logisticamente, a melhor situação.
  3. Modalidade trânsito de reexportação: O transporte de mercadoria estrangeira despachada para reexportação, do local de origem ao local de destino, para embarque ou armazenamento em área alfandegada para posterior embarque. Aqui também temos um caso de “trânsito de exportação”. A única diferença é que, nessa hipótese, a mercadoria é estrangeira (ela está no Brasil, mas não foi nacionalizada). Logo, não cabe falar em “exportação”, mas sim em “reexportação”.
  4. Modalidade trânsito interno: O transporte de mercadoria estrangeira de um recinto alfandegado situado na zona secundária a outro. A mercadoria estrangeira é transportada de um porto seco (recinto alfandegado de zona secundária) para outro porto seco. Ex: mercadoria transportada do porto seco de BH para o porto seco de Campinas.
  5. Modalidade trânsito internacional: A passagem, pelo território aduaneiro, de mercadoria procedente do exterior e a ele destinada. Seria o caso, por exemplo, em que uma mercadoria procedente da Alemanha chega ao Porto de Santos, tendo como destino a Argentina. O trânsito na modalidade de passagem só poderá ser aplicado à mercadoria declarada para trânsito no conhecimento de carga correspondente, ou no manifesto ou declaração de efeito equivalente do veículo que a transportou até o local de origem. Em outras palavras, só se aplica o trânsito internacional quando no conhecimento de carga (documento que materializa o contrato de frete) já estava previsto que a mercadoria se destinaria a outro país, isto é, que só passaria pelo Brasil.
  6. O transporte, pelo território aduaneiro, de mercadoria procedente do exterior, conduzida em veículo em viagem internacional até o ponto em que se verificar a descarga. Aqui também temos um caso de “trânsito de importação”. Nessa situação, um veículo procedente do Uruguai leva mercadorias até um porto seco situado em Uberlândia, onde será feita a descarga e o despacho aduaneiro.
  7. O transporte, pelo território aduaneiro, de mercadoria estrangeira, nacional ou nacionalizada, verificada ou despachada para reexportação ou para exportação e conduzida em veículo com destino ao exterior. Aqui temos um “trânsito de exportação”. Nessa situação, um veículo parte de Uberlândia com destino ao Uruguai levando mercadorias já despachadas para exportação (mercadorias nacionais ou nacionalizadas) ou para reexportação (mercadorias estrangeiras).

Os beneficiários do trânsito aduaneiro, ou seja, as pessoas que podem solicitar o regime especial e registrar a Declaração de Trânsito Aduaneiro (DTA), são:

  1. no trânsito de importação: o importador
  2. no trânsito de exportação: o exportador
  3. no trânsito interno: o depositante da carga
  4. no trânsito internacional: o representante, no País, de exportador estrangeiro ou importador estrangeiro domiciliado no exterior.
  5. em qualquer caso: i) o permissionário ou concessionário de recinto alfandegado (exceto no trânsito internacional); ii) o operador de transporte multimodal (OTM), iii) o transportador e; iv) o agente credenciado a efetuar operações de unitização ou desunitização de cargas em recintos alfandegados.

Para que uma empresa possa transportar mercadorias em trânsito aduaneiro, é necessária sua prévia habilitação perante a Receita Federal do Brasil. Assim, em regra, não é qualquer um que poderá operar o regime de trânsito aduaneiro. somente aquelas credenciadas pela RFB. As empresas interessadas nesse tipo de serviço precisarão habilitar-se na unidade de fiscalização aduaneira, solicitando o cadastramento no sistema e apresentando o Termo de Responsabilidade para Trânsito Aduaneiro (TRTA). A concessão da habilitação pela RFB é feita em caráter temporário (por tempo determinado). Para a concessão ou renovação da habilitação, serão considerados fatores direta ou indiretamente relacionados com os aspectos fiscais, a conveniência administrativa, a situação econômico-financeira e a tradição da empresa transportadora.

Cabe destacar que algumas pessoas jurídicas não necessitam de habilitação prévia para operar o regime de trânsito aduaneiro, por serem consideradas idôneas por natureza. São elas: i) empresas públicas e sociedades de economia mista que explorem serviços de transporte e; ii) os outros beneficiários do regime (habilitados no SISCOMEX), quando não sendo empresas transportadoras, utilizarem veículos próprios. A RFB possui competência, ainda, para estabelecer outras hipóteses de dispensa de habilitação prévia.

Quando uma carga chega no Porto de Santos e o importador quer levá-la a um porto seco localizado em BH (onde será feito o desembaraço aduaneiro), ele deverá solicitar o regime de trânsito aduaneiro. Mas como é feita a solicitação do regime de trânsito aduaneiro?  A solicitação da aplicação do regime é feita mediante requerimento à autoridade aduaneira competente da unidade de origem (Unidade da Receita Federal do porto de Santos). Tal requerimento é realizado por meio do SISCOMEX-Trânsito. O despacho para trânsito aduaneiro é, assim, processado por meio de uma declaração para trânsito aduaneiro. O tipo de declaração a ser utilizado dependerá de situações individuais e poderá ser:

 - Declaração de Trânsito Aduaneiro (DTA);

- Manifesto Internacional de Carga (MIC);

- Manifesto Internacional de Carga - Declaração de Trânsito Aduaneiro (MIC-DTA);

- Conhecimento-Carta de Porte Internacional - Declaração de Trânsito Aduaneiro (TIF-DTA);

- Declaração de Trânsito de Transferência (DTT);

- Declaração de Trânsito de Contêiner (DTC).

A declaração de trânsito aduaneiro é a forma pela qual o interessado requer a concessão e a aplicação do regime de trânsito aduaneiro à autoridade aduaneira. O registro da declaração para trânsito aduaneiro no SISCOMEX caracteriza o início do despacho de trânsito aduaneiro e, ao mesmo tempo, o fim da espontaneidade do beneficiário relativamente às informações prestadas.

Não é necessária a aplicação do regime de trânsito aduaneiro para a remoção de mercadorias de uma área ou recinto para outro, situado na mesma zona primária. Se a mercadoria for deslocada de um recinto alfandegado situado no Porto de Santos para outro recinto alfandegado também localizado no Porto de Santos, não haverá necessidade de que se proceda ao despacho para trânsito. Isso não quer dizer, todavia, que não podem existir controles especiais determinados pela RFB em relação a essa carga.

Ao conceder o regime de trânsito aduaneiro, a autoridade aduaneira sob cuja jurisdição se encontrar a mercadoria a ser transportada estabelecerá a rota a ser cumprida, fixará os prazos para execução da operação e para comprovação da chegada da mercadoria ao destino e adotará as cautelas julgadas necessárias à segurança fiscal. Quanto ao estabelecimento de rota e prazo para conclusão do aduaneiro, estes poderão ser objeto de proposta do transportador ou do beneficiário. Se essa proposta não for aceita pela unidade de origem dentro de 15 dias, ela será automaticamente cancelada. Destaque-se que, mesmo havendo rota legal preestabelecida, poderá ser aceita rota alternativa proposta por beneficiário. O trânsito por via rodoviária será feito preferencialmente pelas vias principais, onde houver melhores condições de segurança e policiamento, utilizando-se, sempre que possível, o percurso mais direto. Todos esses procedimentos têm como objetivo promover a segurança fiscal, já que, durante todo o trajeto do trânsito aduaneiro, os tributos estarão com a exigibilidade suspensa.

Para garantir a segurança da carga outras cautelas fiscais podem ser adotadas, entre elas, a lacração (colocação de lacres), a sinetagem (colocação de símbolos nos lacres), a cintagem (colocação de cintas nos volumes), a marcação (colocação de marcas nos volumes) e o acompanhamento fiscal (designação de um veículo para acompanhar o trânsito aduaneiro). Ressalte-se que o acompanhamento fiscal somente será realizado em casos excepcionais, em que, por exemplo, o transportador seja reincidente em infrações à legislação aduaneira. Ainda sobre as cautelas fiscais, cabe destacar que os dispositivos de segurança somente poderão ser rompidos ou suprimidos na presença da fiscalização, salvo disposição normativa em contrário.

O ato final do despacho para trânsito é o desembaraço, que é quando a unidade da RFB de origem efetivamente concede o regime de trânsito aduaneiro ao beneficiário. Nesse momento, em que se encerra o despacho para trânsito, tem início o regime de trânsito aduaneiro. Após o AFRFB registrar no Sistema a aplicação dos dispositivos de segurança, ocorrerá automaticamente o desembaraço. Quando os dispositivos de segurança tiverem sido dispensados, o desembaraço ocorrerá após o carregamento do veículo pelo transportador. No caso de transporte multimodal de carga, na importação ou na exportação, quando o desembaraço não for realizado nos pontos de entrada ou de saída do País, a concessão do regime de trânsito aduaneiro será considerada válida para todos os percursos no território aduaneiro, independentemente de novas concessões. Isso significa que, em se tratando de transporte multimodal, se for concedido o regime de trânsito aduaneiro em um porto seco em BH, o regime será válido para qualquer tipo de percurso no território aduaneiro.

Uma vez que as obrigações fiscais ficam suspensas em virtude da aplicação do regime , é necessário que seja estabelecido um Termo de Responsabilidade, firmado na data do registro da declaração de admissão no regime, que assegure sua eventual liquidação e cobrança. A responsabilidade pelo cumprimento das obrigações fiscais suspensas em decorrência da aplicação do regime de trânsito aduaneiro será formalizada em Termo de Responsabilidade para Trânsito Aduaneiro (TRTA), com validade de três anos, firmado pelo transportador. Junto do Termo de Responsabilidade, é necessária a prestação de garantia das obrigações fiscais suspensas. A garantia poderá ser prestada na forma de depósito em dinheiro, fiança idônea ou seguro aduaneiro, a critério do transportador. Há alguns casos especiais em que não se exige a prestação de garantia como, por exemplo, quando o transportador possui patrimônio líquido superior a R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais).

O trânsito aduaneiro foi concedido pela RFB, os tributos suspensos ficaram consignados no Termo de Responsabilidade e, ainda, foi apresentada uma garantia. Mas e se acontecer alguma coisa no trajeto? De quem é a responsabilidade pelas mercadorias em trânsito aduaneiro? Nesse caso, o transportador de mercadoria submetida ao regime possui responsabilidade exclusiva pelas mercadorias em trânsito aduaneiro. Caso ocorra avaria, extravio ou alteração de mercadoria, a RFB exigirá dele os tributos e multas cabíveis.

Se durante o trajeto referente ao trânsito aduaneiro, ocorrer outras situações possíveis, como a chegada do veículo fora do prazo fixado pela RFB, violação de dispositivo de segurança, desvio da rota autorizada, substituição do veículo transportador sem autorização da RFB. Cada uma das infrações possíveis possui uma pontuação (como se fosse carteira de motorista). Ao atingir 20 pontos, o transportador sofrerá advertência; ao somar ou ultrapassar 40 pontos, o transportador terá sua habilitação suspensa. Se o transportador não apresentar a mercadoria no local de destino, na forma e no prazo previsto, ele ficará sujeito ao cumprimento das obrigações assumidas no Termo de Responsabilidade.

E se no meio do trajeto o veículo que transportava a carga se envolver em um acidente de trânsito? Nesse caso, ocorrerá a interrupção do trânsito aduaneiro, em razão da ocorrência de um evento que impede o prosseguimento do trânsito e, ainda, que, muito provavelmente, provocou avarias nas mercadorias transportadas. E o que deve fazer o transportador em caso da interrupção do trânsito aduaneiro? Nesse caso, ele deverá comunicar o fato à unidade aduaneira que jurisdiciona o local onde se encontrar o veículo, para que esta possa adotar as providências cabíveis.

Em resumo, a utilização deste regime visa, basicamente, à facilitação da circulação de mercadorias estrangeiras ou nacionais, destinadas à importação ou exportação, com o benefício da suspensão do pagamento de tributos. O regime permite ao importador/exportador circular com bens estrangeiros dentro do território brasileiro sem pagar impostos a mais por isso. É a opção de deslocar-se com mercadorias de uma alfândega, por exemplo, um porto alfandegado para um porto seco, onde o custo de armazenagem é menor e os serviços mais eficientes. A busca de locais mais próximos das empresas importadoras com serviços à altura das necessidades do mercado e por menores custos é uma livre decisão do operador do comércio internacional. O Estado somente poderá vetar a operação se motivado por algum interesse público.

Equipe: Michelle Marcia Viana Martins, Tobias Moreira Ramos, Gabrielle Silva Cruz e Lívia Madeira Triaca.

[1] Porto Seco é um recinto alfandegado de uso público situado, em regra, na zona secundária. Recorde-se que existem os portos secos de fronteira, os quais estão situados em zona primária.