Potencial econômico do nióbio: uma análise sobre intervenções políticas na comercialização do nióbio

Daniel Ribeiro Soares - COMEX-FURG

"Motivado pelas divulgações do atual governo brasileiro, este artigo busca apresentar a conjuntura do mercado de nióbio e citar algumas possíveis implicações que as intervenções políticas ou estratégias de regulação de preços poderiam trazer para este mercado e para a economia do país."


Potencial econômico do Nióbio no Brasil: uma análise sobre possíveis intervenções políticas
 
Por Daniel Ribeiro Soares[*] - aluno do curso de Comércio Exterior da FURG 
Orientador: Prof. Ricardo A. Leal

        O Brasil possui cerca de 98% das reservas mundiais de Nióbio (Nb) em atividade e é o principal player do mercado, responsável pelo abastecimento de 90% do produto no mundo. O metal é estratégico para a indústria siderúrgica e passou a ser considerado uma oportunidade de alavancagem econômica brasileira pelo atual governo – ver e.g. CPRM (2019). As considerações sobre o potencial do nióbio e a ideia de intervenção, já são objeto de debate a algum tempo, sendo inclusive apresentada como proposta de lei, como é o caso da PL 4.978/2013 elaborada pelo Deputado Giovani Cherini (2013), que defende a regulamentação da exploração e da comercialização do nióbio em território brasileiro, contudo, existem segmentos que defendem o livre mercado, criando um dilema estratégico para o produto. Um bom exemplo desse impasse, são os pareceres da Comissão do Ministério de Minas e Energia - MME (2019) e da Comissão de Finanças e Tributação (2019), que rejeitaram através de votação, a PL 4.978/2013, contrapondo as ideias de intervenção, trazendo à tona o seguinte questionamento: “faz sentido o governo intervir no mercado do nióbio?”
        Segundo a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração – CBMM, que responde por cerca de 75% da produção mundial de nióbio,

[...] como a capacidade produtiva atual é maior do que a demanda, considera-se que não faz sentido aumentar muito a produção, pois não haveria mercado para consumi-la. Conforme entendimento da CBMM, o fato de o Brasil ser líder de mercado não significa que se possa determinar o preço de venda, tendo em vista o fato de o metal possuir um substituto que pode ser utilizado nas diversas indústrias que hoje demandam o nióbio. (MME, 2019, p. 16).

        Motivado pelas divulgações do atual governo brasileiro, este artigo busca apresentar a conjuntura do mercado de nióbio e citar algumas possíveis implicações que as intervenções políticas ou estratégias de regulação de preços poderiam trazer para este mercado e para a economia do país.

        Conforme o Tantalum-Niobium International Study Center – TIC (link), os principais produtos obtidos a partir do nióbio são o óxido de nióbio (Nb2O5) e o ferro-nióbio (FeNb), sendo este último o produto investigado nesse estudo. A maior parcela de uso do FeNb é na siderurgia como elemento de liga na produção de aços microligados, aços especiais e aços inoxidáveis (ver vídeo abaixo), conferindo maior resistência a corrosão, a oxidação, a altas temperaturas, maior leveza, melhor ductilidade e maior tenacidade, sendo indispensável para a fabricação de turbinas, oleodutos, motores à jato, materiais supercondutores, ressonância magnética, aceleradores de partículas, entre outros.

        De acordo com Rockstone (2018), há uma forte tendência de incremento na demanda de FeNb para os próximos anos, devido ao aumento da produção de aços de alta resistência e baixa liga, que cresce cerca de 20% ao ano. Segundo a CBMM (2018), seu volume de vendas de FeNb aumentou 28,17% de 2017 para 2018, saltando de 64.500 para 82.671 toneladas (ton), graças à elevação de preços de alguns produtos substitutos, como o vanádio e o manganês, bem como pelo aumento das demandas da China e Índia. As exportações brasileiras do FeNb apresentam elevada taxa de crescimento desde 2016 – ver gráfico a seguir. A Agência Nacional de Mineração (ANM) registrou o valor de US$ 46,44 bilhões de exportações na pauta mineral brasileira de 2018, da qual US$ 2,01 bilhões foi pela comercialização do Nb, cerca de 4,3% da exportação mineral naquele ano (Anuário Mineral Brasileiro, 2019). Segundo a CBMM (2019), apenas 5% da produção do FeNb em 2018 foi consumido pelo mercado interno, o restante atendeu as demandas internacionais, totalizando uma receita de R$ 7,8 bilhões para a empresa e gerando R$ 1,8 bilhões em impostos para o país.

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de Comex Stat: http://comexstat.mdic.gov.br/pt/geral

        Em 2018, de um total de 123 mil ton de FeNb comercializados no mundo, o Brasil forneceu 95,5 mil, com média de crescimento de 10% ao ano nas exportações do produto (COMEX STAT, 2020). O desempenho do mercado do FeNb estimulou estudos para um projeto de investimentos na ordem de R$ 3 bilhões para ampliar a capacidade de extração da mina de Araxá-MG, confirmando a expectativa de crescimento das demandas para os próximos anos, conforme afirmou o CEO da empresa CBMM Eduardo Ribeiro a agência Reuters, “Estamos trabalhando em projeto de como será a CBMM além das 150 mil toneladas. Se crescermos 10% nos próximos anos... já precisaremos de mais capacidade.” (REUTERS, 2019).

        Quanto à estrutura de mercado do FeNb, não seria apropriado considerá-la como um monopólio “puro”, já que possui substitutos próximos, como o vanádio e o titânio, e em alguns casos o tungstênio, o molibdênio e o manganês. A análise apropriada das estratégias para este mercado deve ter uma visão de médio e longo prazo, considerando seu perfil em uma estrutura oligopolista, a fim de observar os reflexos que poderão ocorrer, de acordo com cada interação do governo brasileiro no mercado do metal, simulando inclusive uma possibilidade mais agressiva de regulação de preços. E um aspecto empírico utilizado na análise é o case da China sobre sua produção e exportação do importante mineral denominado terras raras, indispensável na fabricação de componentes dos segmentos de alta tecnologia. Estabelecida no mercado com 90% da produção mundial de terras raras, a China anunciou para o mundo em 2010, medidas que restringiam a oferta do produto, ditavam um preço mínimo de exportação e promovia aumentos de tarifas (DIAS; VIANA; COELHO, 2016). A restrição da oferta ocasionou aumentos significativos no preço elevando os lucros, porém gerou ameaças de sanções internacionais e notificações emitidas pela Organização Mundial do Comércio – OMC. Em 2015 a China recuou, reestabelecendo o fornecimento de terras raras, porém a elevação de preços acabou motivando investimentos para a ativação e operação de novas minas pelo mundo, aumentando a concorrência do produto, e assim evidenciando as consequências indesejáveis para as interações políticas daquele país no mercado das terras raras

        Os resultados obtidos nesta análise inicial mostraram que a liderança brasileira na produção do nióbio não se resume ao fato do país deter as maiores reservas minerais do produto, já que existem reservas em 85 regiões do mundo que não estão em operação por inviabilidade econômica: “se muitas não estão, atualmente, em operação, é porque os produtores atuais têm uma capacidade de produção maior do que o tamanho do mercado. Eles não vão investir bilhões de dólares em um mercado pequeno” (CBMM, 2019, p. 2). As empresas brasileiras, além de pioneiras na lavra do Nb, desenvolveram tecnologias ao longo dos anos que otimizaram os processos, tornando os custos mais viáveis. Através de investimentos em pesquisa estas empresas desenvolvem novos produtos e aplicações para o Nb, ampliando o mercado e comercializando produtos industrializados, conferindo alto valor agregado, comparados a um estado de “commoditie mineral básico”. Esse contexto faz com que os investimentos de novos entrantes potencialmente se tornem arriscados ou desvantajosos. Apesar da demanda crescente pelo aumento da produção siderúrgica mundial, a capacidade produtiva do FeNb é maior que a demanda, já que se trata de um mercado relativamente pequeno. Apesar do produto não ter um substituto homogêneo, a combinação de alguns substitutos próximos pode reproduzir propriedades semelhantes, contudo a vantagem do FeNb está no menor custo e na qualidade final dos produtos, fazendo com que os preços sejam estabelecidos conforme relações de concorrência e mercado.

        Estas considerações já estabelecem bons parâmetros para a investigação de possíveis consequências de intervenção política no mercado do nióbio, que apesar de estratégico e com certa representatividade econômica, apresenta diversas particularidades que devem ser levadas em consideração. Fatores como o tamanho do mercado, os produtos substitutos e as diversas reservas pelo mundo sinalizaram que apesar da situação privilegiada do Brasil, o preço do Nb deve ser tratado com cautela. Duas perguntas centrais emergem nesse cenário: i) o potencial econômico do nióbio é suficiente para ajudar a alavancar a economia do Brasil?; e ii) que reflexos poderão surgir no mercado internacional caso o governo adote medidas de restrição de oferta ou de regulação de preços? Essas indagações estão interligadas, pois a cada medida aplicada pelo governo brasileiro para elevar os preços do nióbio, existe uma possível reação internacional.

        Políticas de regulação de preços podem se mostrar uma alternativa desastrosa, conforme exemplificado no case da China, talvez resultando em problemas de relações internacionais, notificações comerciais (OMC) e aumentos na concorrência impulsionados pelos altos preços e pela escassez do produto, viabilizando economicamente a ativação de novas minas pelo mundo. Uma estratégia alternativa a essa intervenção no mercado, a fim de alavancar o nióbio e a economia brasileira, é a de apoiar o desenvolvimento da pesquisa em aplicações do metal, bem como a de diminuir o risco do investimento em tecnologias que necessitariam sua utilização, talvez através da sinalização de um mercado seguro sem intervenções discricionárias – ambas estratégias com potencial de ampliação da demanda.


[*] Daniel Ribeiro Soares ingressou no curso de Comércio Exterior no ano de 2017. Tem experiência ampla e diversificada: foi servidor público no Departamento de Metalurgia da COPPE/UFRJ, Técnico em Metalurgia na Marinha do Brasil (ENGEPRON), Professor de Metalurgia no Centro de Desenvolvimento Técnico do Espírito Santo (CEDTEC-ES) e Responsável pelo Departamento de Gerenciamento de Contratos e Controle de Custos na Engevix Engenharia / Petrobras. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/6191988718635642


REFERÊNCIAS:

AGÊNCIA BRASIL. Brasil detém 90% do mercado mundial de Nióbio. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-11/brasil-detem-90-do-mercado-mundial-de-niobio>. Acesso em: 30 ago. 2020.

ANUÁRIO MINERAL BRASILEIRO. Anuário Mineral Brasileiro Principais Substâncias Metálicas 2019 — Português (Brasil). Disponível em: <https://www.gov.br/anm/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/serie-estatisticas-e-economia-mineral/anuario-mineral/anuario-mineral-brasileiro/copy_of_AMB2019_anobase2018_FINAL.pdf/view>. Acesso em: 27 ago. 2020.

CBMM. Relatório de Sustentabilidade 2018. Disponível em: <https://cbmm.com/assets/sustainability-report-2018/pdf/CBMM_RS2018.pdf>. Acesso em: 27 ago. 2020.

CHERINI, G. Projeto de Lei 4.918/2013. Disponível em: <http://giovanicherini.com/site/projetosdelei/PL_4978_2013.pdf>. Acesso em: 27 jun. 2021.

COMISSÃO DE FINANÇAS E TRIBUTAÇÃO. Parecer Comissão de Finanças e Tributação. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node01ivobvyhpwifdbm7n5s45kjwz26064770.node0?codteor=1834221&filename=Tramitacao-PL+4978/2013>. Acesso em: 27 jun. 2021.

CPMR. Presidente Jair Bolsonaro afirma que a mineração é estratégica para o Brasil. Disponível em: <http://www.cprm.gov.br/publique/Noticias/Presidente-Jair-Bolsonaro-afirma-que-a-mineracao-e-estrategica-para-o-Brasil-5898.html>. Acesso em: 20 ago. 2020.

MDIC. Ministério da Indústria Comércio Exterior e Serviços - MDIC. Disponível em: <http://comexstat.mdic.gov.br/pt/geral>. Acesso em: 22 ago. 2020.

MME, M. DE M. E E. PL 4.978/2013. Minerais Estratégicos - Ministério das Minas e Energia. Audiência Pública – Câmara dos Deputados. 2019 a, Sec. Comissão de Minas e Energia, p. 18.

MME, M. DE M. E E. Parecer MME PL 4978/2013. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node01ivobvyhpwifdbm7n5s45kjwz26064770.node0?codteor=1759121&filename=Tramitacao-PL+4978/2013>. Acesso em: 22 ago. 2020.

ROCKSTONE. Commerce Resources. Disponível em: <https://www.rockstone-research.com/index.php/en/research-reports/4026-Win-Win-Situation-to-Develop-One-of-the-Most-Attractive-Niobium-Prospects-in-North-America>. Acesso em: 22 ago. 2020.